“Rolezinho”:
caiu a máscara da igualdad
Eu
detesto shopping. Só vou por causa dos cinemas. Não é por uma questão
ideológica, eu simplesmente me sinto mal com aquele apelo ao consumo
desenfreado, inclusive dos vendedores que sempre querem te empurrar alguma coisa
mais, desesperados para aumentar seu mísero salário com as comissões de venda. E
o shopping é o templo do capitalismo, justamente por causa deste apelo. Consumir
é vital, pois no capitalismo tudo é mercadoria (inclusive a força de trabalho do
ser humano). Mas é somente na troca (compra e venda) que o valor das mercadorias
se realiza. Paradas elas não valem nada. Por isso a busca permanente por criar
novidades e gerar necessidades. O que temos tem que se tornar obsoleto para que
sejamos compelidos a consumir, realizar o valor das mercadorias, e assim
fornecer combustível para o capitalismo.
Mas
para que a troca seja possível é preciso à igualdade jurídica. No escravismo,
por exemplo, a troca era algo excepcional e a desigualdade entre os indivíduos
era parte essencial das relações sociais. Não era preciso igualdade, ao
contrário, a sociedade era movida a chibatadas. Neste sentido o capitalismo foi
uma evolução tremenda. Com a generalização da troca a igualdade tornou-se um
imperativo, pois é necessário que eu reconheça no outro um igual para que possa
com ele trocar.
Para
realizar o valor das mercadorias são necessários sujeitos que as coloquem em
circulação, trocando. Isto é, comprando e vendendo, supostamente em pé de
igualdade e com plena liberdade. Mas esta ideia de igualdade e liberdade não
passa de uma fantasia. Qual é a igualdade e a liberdade real existente na
relação de compra e venda da força de trabalho, por exemplo? Nenhuma. Qual é a
igualdade real existente entre um jovem negro da periferia e um branco de classe
média? É só uma “máscara”, e ela tem uma função muito importante para o
Sistema.
“A
função desta ‘máscara’ [da igualdade] é fazer ignorar o que permanece por detrás
dela, é dissipar as diferenças para que, no plano das relações jurídicas, todos
os indivíduos se coloquem num mesmo patamar. (…) No momento da troca, o que
permanece visível são apenas duas máscaras idênticas, máscaras de sujeito de
direito, e não dos homens concretos, situados, determinados. A igualdade
jurídica, que nada mais é que a igualdade das ‘máscaras’, é essencial a esta
relação, tanto quanto (e na exata medida em que) é essencial a equivalência
formal das mercadorias trocadas. Ora, assim como entre os embrulhos idênticos
das coisas em comércio é possível colocar uma medida comum, o valor, entre as
máscaras idênticas dos homens atomizados é possível colocar a medida comum do
direito.” (Kashiura Júnior, Celso Naoto. Crítica da Igualdade Jurídica –
Contribuição ao pensamento jurídico marxista. Quartier Latin, 2009. Pág.
61).
A
repressão, inclusive juridicamente sustentada, contra os jovens da periferia que
vão dar “rolezinho” no shopping é o momento em que a fantasia da igualdade é
desfeita de forma cabal. Caiu a máscara do Direito. Ele não tem direito a
igualdade jurídica com os jovens de classe média que também circulam aos bandos
pelo shopping, pois os pobres não trocam, isto é, não consomem. Como ensinou um
dos mais importantes juristas marxistas, Eugeny Pachukanis, esta igualdade que
assegura a todos a capacidade abstrata de ser proprietário de mercadorias é
puramente formal.
Os
jovens pobres não tem direito de circular pelos shoppings, pois eles não
pertencem ao mundo do consumo. Sem consumir, são descartáveis – pois inúteis ao
capitalismo – e o lugar deles é nas periferias. Mas se ousam invadir o templo do
consumo, a polícia é chamada. Mesmo que não roubem, não furtem, mas se não se
contentam com o seu lugar periférico e querem ocupar o espaço dos consumidores
sem consumir, é para os presídios imundos – como o de Pedrinhas no Maranhão ou o
Central em Porto Alegre – que eles devem ir. Polícia neles!
E não
faltam vozes, algumas até bem intencionadas, clamando por mais encarceramento.
São os aparatos ideológicos do Sistema agindo para convencer os “do bem” que do
outro lado estão os “do mal” e que os encarcerando estaremos todos mais seguros.
Esta separação entre os “do bem” e os “do mal” é muito conveniente para o
Sistema. Os “do mal” são os que não têm capacidade de consumo e só atrapalham e
amedrontam os “do bem” que estão no shopping para consumir e fazer girar a roda
do capitalismo. No caso dos “rolezinhos” não há roubo nem violência, mas isso
não importa. Eles não compram, então não pertencem àquele lugar, são “do mal”,
tem que ser expulsos.
E nos
presídios, lugar reservado aos descartáveis, reina a barbárie, como vimos de
forma mais aguda no Maranhão e como o filme Tropa de Elite 2 já tinha mostrado.
A sociedade se chocou com a violência em Pedrinhas, mas é hora de refletir por
que se chegou a este extremo. É hora de parar o clamor por encarceramento e
aumentar o clamor por direitos!
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