domingo, 19 de março de 2017


O ex-presidente da Odebrecht Marcelo Odebrecht e outros executivos do grupo disseram em acordo de delação premiada que acertaram junto com a Andrade Gutierrez o repasse de R$ 50 milhões ao senador Aécio Neves (PSDB-MG) após vencerem o leilão para a construção da hidrelétrica Santo Antônio, em Rondônia, em dezembro de 2007.
Executivos que complementaram o depoimento de Marcelo afirmaram que a Odebrecht se comprometeu a pagar R$ 30 milhões, enquanto a Andrade Gutierrez se encarregou dos R$ 20 milhões restantes.
Os delatores não esclareceram se os valores alegados foram efetivamente pagos, segundo a Folha apurou.
Também não falaram em propina para descrever o acerto com Aécio.
Os depoimentos, ainda sob sigilo, embasaram pedidos de inquérito feitos na semana passada pela Procuradoria-Geral da República contra diversas autoridades.
No caso de Aécio, por ele ter foro privilegiado, a solicitação foi feita ao relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, que ainda não deu essa autorização.
Caso o inquérito seja autorizado, começa a fase de colheita de provas. Havendo indícios, a PGR oferece uma denúncia, que, se aceita pela Justiça, torna o investigado réu, dando início a um processo que culminará em julgamento.
O tucano afirma que "é absolutamente falsa a pretensa acusação".
À época do leilão da usina Santo Antônio, no rio Madeira, em 2007, Aécio, embora fosse um dos principais nomes de oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que licitou a usina em Rondônia, estava no seu segundo mandato como governador de Minas Gerais e tinha sob seu comando uma das empresas que integravam o consórcio que ganhou a disputa, a Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais). A empresa de energia é controlada pelo governo mineiro até hoje.
Embora fora do governo federal, o tucano também mantinha influência sobre o principal investidor da usina, a empresa Furnas.
Essa relação é apontada por políticos como o ex-deputado Roberto Jefferson e o ex-senador Delcídio do Amaral, além de um lobista do PT que foi preso pela Lava Jato, Fernando Moura.
A informação de que a usina de Santo Antônio surgiria na delação da Odebrecht ligada a Aécio foi antecipada pela colunista da Folha Mônica Bergamo na quinta (16).
Furnas é a principal acionista da Santo Antônio Energia, com 39% do capital.
Odebrecht e Andrade Gutierrez detêm, respectivamente, 18,6% e 12,4% das ações.
Um fundo da Caixa Econômica Federal controla 20%, enquanto a Cemig tem 10%. A construção da hidrelétrica custou R$ 20 bilhões.
Marcelo e outros executivos da Odebrecht afirmaram aos procuradores da Operação Lava Jato que as empresas decidiram fazer o acerto com o tucano porque queriam ter uma boa relação com as duas sócias da usina sobre as quais Aécio tinha influência –ou seja, Furnas e Cemig.
Se houvesse problemas com essas empresas durante a construção da hidrelétrica, o tucano poderia ajudar a Odebrecht e a Andrade Gutierrez, segundo o que disseram os delatores.
Ainda pesou o fato de que a Odebrecht via no tucano um político em ascensão.
Marcelo afirma que representantes de Aécio diziam que os pedidos eram descritos como contribuições para o PSDB.
Os delatores não usam o termo propina no relato que fazem. Na interpretação de procuradores da Lava Jato, o acerto foi selado com expectativa de contrapartida.
Após deixar o governo de Minas Gerais em 2010, Aécio elegeu-se senador pelo Estado e foi candidato à Presidência da República em 2014, quando perdeu para a petista Dilma Rousseff por uma diferença de 3,5 milhões de votos (cerca de 3,3 pontos percentuais).
Atualmente, ele preside nacionalmente o PSDB e é um dos potenciais candidatos do partido à eleição presidencial de 2018.
OUTROS DELATORES
O ex-presidente da Odebrecht é o terceiro dos colaboradores da Operação Lava Jato a associar o nome de Aécio a Furnas.
Antes dele, o doleiro Alberto Youssef e Delcídio disseram ter ouvido comentários de terceiros sobre a suposta relação entre o hoje senador tucano e a estatal federal de energia durante o governo federal petista.
O tucano nega que tivesse qualquer tipo de influência sobre Dimas Toledo, ex-diretor de Furnas, apontado como seu aliado na estatal.
O relato do acerto financeiro para beneficiar Aécio no caso de Santo Antônio é um dos temas que serão abordados na complementação que a Andrade Gutierrez terá de fazer de sua delação, em razão das novas acusações feitas pela Odebrecht em sua delação premiada.
Procuradores avisaram representantes da empreiteira de que todos os detalhes sobre a usina terão de ser esclarecidos.
ACUSAÇÃO É FALSA, DIZ AÉCIO
O senador Aécio Neves (PSDB-MG) disse em nota enviada à Folha que "é absolutamente falsa a pretensa acusação" de acerto com as empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez.
Na nota, o tucano afirma que "não é apontado nenhum ato ilícito que teria sido cometido pelo então governador".
Prossegue a nota: "A licitação da obra da usina de Santo Antônio foi realizada pelo governo federal, sem qualquer influência do governo de Minas".
O senador afirma também que "dentre tantas mentiras que têm sido ditas talvez essa seja a mais fácil de comprovar".
O tucano diz que, se a suposta influência sobre Furnas seria consequência da presença do ex-diretor Dimas Toledo nos quadros da empresa, há um problema de lógica temporal: o diretor mineiro deixou a empresa em 2005, e o leilão de usina Santo Antônio ocorreu em dezembro de 2007.
"Não é possível que acusações irresponsáveis como essa sejam feitas, aceitas e divulgadas sem um mínimo de comprovação. São vazamentos criminosos que precisam ser esclarecidos", afirma o senador tucano.
Os advogados Marco Moura e Rogério Marcolini, que defendem Dimas Toledo, dizem que ele jamais manteve contatos com o consórcio que fez a usina Santo Antônio. Eles afirmam que o leilão para construir a hidrelétrica ocorreu em 2007, quando ele já tinha deixado a diretoria de Furnas.
Os advogados de Dimas negam que ele tenha sido indicado para o cargo na empresa por Aécio.
"[O ex-diretor Dimas Toledo] esclarece que jamais manteve relação próxima com o senador Aécio Neves. Sua nomeação para a diretoria de Furnas, onde trabalhou por cerca de 37 anos, de 1968 a 2005, se deu por natural progressão na carreira, atendendo a critérios exclusivamente técnicos, e não por indicação política".
ODEBRECHT NÃO SE MANIFESTA
A Odebrecht afirmou, também por meio de nota enviada à reportagem, que "não se manifesta sobre o teor de eventuais colaborações de pessoas físicas".
A nota do conglomerado diz que "a empresa reafirma seu compromisso de colaborar com as autoridades.
A Odebrecht declara ainda que está implantando as melhores práticas de 'compliance', baseadas na ética, transparência e integridade".
A Andrade Gutierrez não quis comentar os relatos dos delatores, "mas reitera seu compromisso de continuar colaborando com os órgãos competentes nas investigações para esclarecer assuntos do passado".
Furnas afirma que "adota as melhores práticas de governança ética, profissional e transparente".
Em nota, a estatal de energia elétrica diz: "A companhia sempre esteve à disposição para prestar todos os esclarecimentos necessários às autoridades e é a principal interessada na elucidação dos fatos relatados".
Já a Cemig declarou em nota que "prefere aguardar a evolução das investigações no âmbito da Operação Lava Jato antes de emitir qualquer comentário a respeito" das delações de executivos da Odebrecht. 

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