sexta-feira, 24 de março de 2017

QUEM ESTÁ PAGANDO A CONTA O POVO BRASILEIRO

INSS poderia receber R$ 374 bi de alguns devedores históricos

A lista dos cem maiores devedores da Previdência conta histórias de grandes falências, fraudes milionárias e acirradas divergências de entendimento entre os departamentos de contabilidade das empresas -- públicas e privadas -- e a Receita Federal. De acordo com levantamento feito pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) a pedido do Valor Econômico, o ranking soma R$ 44,2 bilhões em créditos, 11,7% do total da dívida ativa previdenciária.
         O INSS contava, até o fim de ano passado, 721.328 devedores inscritos, R$ 374 bilhões em créditos que podem ser cobrados pela PGFN -- quase um quarto do valor total da dívida ativa da União, de R$ 1,5 trilhão. Apesar do valor alto, que cobriria mais de quatro vezes o déficit registrado pelo regime geral da Previdência em 2015, de R$ 85,5 bilhões, a recuperação desse dinheiro para os cofres públicos não é simples, avaliam especialistas.
         A presença de um grande número de empresas em recuperação ou mesmo inoperantes no cadastro, além da quantidade significativa de débitos em discussão na Justiça, entre as companhias ainda ativas, faz com que o percentual médio de arrecadação anual do estoque da dívida previdenciária seja de cerca de 1%, afirma Anelize Lenzi Ruas de Almeida, diretora do Departamento de Gestão da Dívida Ativa da União.
         Em relação a 2014, o total de inadimplentes avançou 16,4% no ano passado, e o volume de recursos passíveis de recuperação, cerca de 4,5% em termos nominais -- dentro do ritmo de incremento observado nos últimos anos, diz Anelize, de 4% em média.
         A lista dos cem maiores devedores soma um número significativo de empresas que há anos deixaram de existir. Entre elas estão a Varig, no topo do ranking, com R$ 3,6 bilhões em pendências, Vasp, com dívida de R$ 1,6 bilhão, a Edib (R$ 364,1 milhões), antiga editora das páginas amarelas, e o extinto Banco Comercial Bancesa (R$ 1,4 bilhão). "A procuradoria perde um tempo grande para identificar os gestores responsáveis [pelas empresas inoperantes] e muitas vezes, quando encontra, não encontra mais patrimônio", comenta Aldemário Araújo Castro, funcionário de carreira da PGFN e ex-diretor da dívida ativa.
         O sétimo maior débito, de R$ 1,2 bilhão, leva nome de uma pessoa física -- Ilson Escóssia da Veiga, condenado em 1996 por desviar recursos do INSS, morto em 2006. Mais de 20 anos depois da descoberta do esquema montado pela quadrilha da qual fazia parte -- que contava com 25 integrantes, entre eles a advogada Jorgina de Freitas, em liberdade desde 2010, após cumprir pena de 14 anos --, a Advocacia-Geral de União (AGU) segue trabalhando para ressarcir os cofres públicos. O dado mais recente indica que R$ 156 milhões desviados foram recuperados, com leilão de imóveis, repatriação de dinheiro enviado ao exterior e penhora de joias.
         Entre as empresas do ranking que ainda estão em atividade, afirma Anelize, predominam os casos de divergências de interpretação entre a Receita Federal e os respectivos departamentos de contabilidade, mais do que os problemas de sonegação. São situações, portanto, em que o desfecho é definido judicialmente, em geral anos depois de constituído o débito.
         Essa é a situação, por exemplo, da JBS. A multinacional discute há dois anos na Justiça uma questão relacionada ao pedido de compensação de débitos com o INSS com os créditos tributários de PIS e Cofins aos quais, como exportadora, tem direito. O acerto de contas já foi aprovado pela Receita, afirma Francisco de Assis e Silva, diretor-executivo de Relações Institucionais. O que a companhia questiona agora é a cobrança de juros sobre o valor inicial da dívida, referente ao período em que o caso foi discutido judicialmente, já que alega ter colocado os recursos à disposição da Previdência desde o início do processo. O valor total dos créditos da multinacional de alimentos na dívida é de R$ 663,4 milhões, o 12º maior.
         A Associação Educacional Luterana do Brasil (Aelbra), mantenedora da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), também questiona na Justiça as penalidades aplicadas sobre os débitos devidos ao INSS. Afetada por problemas "sérios" de gestão, na definição de seu atual diretor-executivo, Romeu Forneck, a empresa passa há cerca de cinco anos por um processo de reestruturação e tem um cronograma de pagamentos de 15 anos das obrigações com a Previdência, o FGTS e com credores do setor privado.
         Em 2011, o grupo educacional foi um dos afetados pela sequência de autuações feitas pela Receita a instituições de ensino que se declaravam sem fins lucrativos, mas que não cumpriam os requisitos legais para serem enquadradas como entidades filantrópicas.
         Com as multas e encargos recebidos, referentes ao período entre 2005 e 2009 -- durante o qual a Receita verificou que a empresa não fez jus à imunidade tributária dada pela Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social na Área de Educação (Cebas) -- a dívida cresceu 360% sobre o fato gerador, diz Forneck.
         A entidade foi beneficiada pela Lei 12.688, de 2012, que autoriza o parcelamento de créditos tributários federais das instituições de ensino superior quando aliado a um programa paralelo de concessão de bolsas de ensino, mas afirma não conseguir arcar com os valores adicionais das multas. "Para pagar pelas penalidades, nosso volume de bolsistas teria de ser maior que o de alunos pagantes, é inviável", argumenta. A dívida com o INSS soma R$ 1,5 bilhão, a 5ª maior cifra.
         A Ulbra chegou a ser alvo em 2009 da operação Kollektor, da Polícia Federal, que investigava suposto caso de fraude e desvio de dinheiro na administração da universidade. Desde então, tenta se recuperar de problemas financeiros. Após um processo de "qualificação e profissionalização da gestão", afirma Forneck, a Aelbra registrou aumento no número de alunos em 2014 e 2015, de 12,5% e 14,85%, nessa ordem, e reconquistou o direito de atuar como entidade filantrópica.
         Também na lista dos cem maiores devedores, o Instituto Presbiteriano Mackenzie (R$ 620,1 milhões), a Volkswagen (R$ 341,5 milhões), os Correios (R$ 414,5 milhões) e a Prefeitura de São Paulo (R$ 527,4 milhões) declararam ao Valor estar questionando parte dos débitos judicialmente.
         A Vale, com créditos de R$ 2,7 bilhões -- o segundo maior volume --, informou que todos os valores questionados estão garantidos e com exigibilidade suspensa, como comprova sua certidão positiva com efeitos de negativa de débitos relativos aos tributos federais e à divida ativa da União.
         Também entre as dez primeiras posições, a Petropar Riograndense, atualmente parte da holding Évora, declarou não possuir passivo em aberto com a Previdência e desconhecer a existência de qualquer processo de cobrança pela via judicial ou por qualquer outra via. A companhia também possui certidão positiva com efeitos de negativa de débitos relativos aos tributos federais e à dívida ativa. A International Paper, por sua vez, afirmou não reconhecer os números apresentados pela reportagem ou sua origem.
         "A legislação [tributária] é complexa e, por isso, gera muitas vezes os casos de divergência", pondera Anelize. Essa complexidade, diz Marcelo Caetano, técnico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), explica, por exemplo, a presença não só do setor privado, mas de empresas e entes públicos na lista, entre eles Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e as prefeituras de Barcarena, Campinas, Manaus e Salvador.
         Ele ressalta, contudo, que mesmo que os créditos pudessem ser recuperados em sua totalidade e no curto prazo, a reforma da Previdência Social ainda seria premente. "É importante cobrar esses débitos, mas isso não exclui o problema mais estrutural das despesas. Não tem como imaginar mexer só na arrecadação", pondera o especialista em Previdência.
         O processo de cobrança da dívida ativa está sendo reformulado desde o segundo semestre do ano passado, afirma Anelize. A PGFN tem feito um trabalho de análise da dívida, para avaliá-la de forma qualitativa, hierarquizando os débitos entre aqueles com maior ou menor probabilidades de recuperação -- um modelo mais semelhante ao de avaliação das carteiras de crédito feita pelos bancos. "Antes a postura é muito jurídica, agora ela é mais gerencial." Com as mudanças, a expectativa é de que a taxa de recuperação de créditos dobre em dois anos, chegando a 2%. (do Valor Econômico)

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