abandonado em "praga" paulistana
Leonardo Felix
Colaboração para o UOL, em São Paulo (SP)
-
Leonardo Felix/UOL
Fiat
Palio abandonado na esquina da rua Pires de Oliveira com a Fernandes
Moreira, na Chácara Santo Antônio, zona sul de São Paulo (SP)
Não é preciso procurar muito para achar um carro abandonado em São
Paulo (SP). Basta sair um pouco das avenidas mais conhecidas e buscar
travessas -- nem tão escondidas assim -- em regiões como Santana (zona
norte) e Santo Amaro (zona sul) para dar de cara com algum deles. As
características são parecidas: pintura maltratada pelo sol, sujeira
acumulada, pneus murchos... O aspecto triste acentua o mistério: por que
alguém abandona dessa forma um dos bens mais cultuados pelos
brasileiros?
A prática se tornando cada vez mais comum na maior cidade do país.
Neste ano, até o final de julho, a Prefeitura removeu 1.050 veículos
abandonados de suas ruas, quase o mesmo número do ano passado inteiro
(1.132). O motivo é quase sempre o mesmo: falta de dinheiro para
consertar algum defeito do carro, ou excesso de dívidas. "Quase todos
são carros sucateados e sem valor de marcado; o dono usa até onde dá e
depois larga na rua", explica Adauto Martinez, especialista em trânsito e
transportes.
Com a legislação atual, resolver o problema não é
fácil. O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) nada prevê a respeito (a
não ser que o automóvel estiver estacionado em local proibido), e cabe
aos municípios tratar desses "entulhos de metal" de acordo com suas
respectivas leis de limpeza urbana.
Em 2013, o deputado federal Oswaldo Reis (PMDB-TO) apresentou projeto de lei que transforma o abandono em infração gravíssima no CTB, com aplicação de multa e apreensão do veículo.
A proposta ainda está em tramitação e, com a aproximação das eleições,
fica difícil imaginar que seja votada em 2014. Enquanto isso, São Paulo
usa suas próprias leis para lidar com a questão. Veja como funciona: LONGA ESPERA
Há uma diferença entre a letra da lei e o que ocorre na prática com os
carros abandonados. Em vez de cinco dias, um automóvel desses costuma
ficar meses parado até ser removido, o que traz outros problemas: a
carcaça pode virar esconderijo para assaltantes e até foco de doenças
como dengue (a água da chuva acumulada vira criadouro do mosquito) e
tétano (se houver contato humano com partes enferrujadas).
Não
dá para culpar só o poder público por essa morosidade: a omissão da
população contribui para a permanência desses esqueletos sobre rodas em
nossas vias. "Os órgãos competentes precisam ter conhecimento da
existência desses carros", ressalta Martinez. Muitas vezes, porém, o
carro pertence a um morador da região e, com receio de prejudicar um
conhecido, os vizinhos ficam quietos.
UOL Carros saiu
com essa impressão após um passeio pela Chácara Santo Antônio, bairro
da zona sul paulistana. Trata-se de uma das regiões com maior incidência
de abandono de veículos na cidade, e se engana quem imagina que só
modelos muito antigos são renegados. Em nossa visita, encontramos dois
Volkswagen Polo sedã, um do início e outro da metade dos anos 2000; um
Peugeot 206 também de meados da década passada; e um Fiat Palio do final
dos anos 1990.
O segundo Polo estava estacionado em frente a um edifício da rua
Américo Brasiliense. De acordo com o porteiro, o exemplar pertence a um
dos moradores. "Ele diz que ficou meio apertado [de dinheiro], sem
condições de arrumar, então acabou deixando aí. Já teve gente, inclusive
aqui do prédio, querendo comprar, mas ele não mostrou interesse em
vender", conta.
Já o Peugeot é de um cliente de uma oficina
localizada na mesma rua, poucas quadras adiante. "Foi deixado aqui para
reparos do motor, mas o dono não podia pagar e acabou deixando aí na
frente. Ele diz que vai buscar e terminar de consertar quando tiver
condições", diz um mecânico do estabelecimento, que não quis se
identificar.
BLOG DOS ABANDONADOS
Morador daquela região, o jornalista Marcos Rozen criou em 2008 um blog
só para tratar do tema, que hoje se tornou uma seção dentro de outro
endereço sobre o universo das quatro rodas, o "Carro Cultura".
"Comecei a fotografá-los por curiosidade e, para minha surpresa,
descobri que outras pessoas também se interessavam pelo tema. Elas
passaram a fotografar os carros de seus bairros/cidades e enviar para o
blog", comenta.
Em seis anos, Rozen chegou a flagrar até uma Fiat Marea Weekend zero quilômetro
sucateada, e conheceu histórias de abandono das mais estranhas. "Houve
um caso de um sujeito que largou um Jeep Willys em frente ao prédio da
ex-mulher só para irritá-la, para que ela visse o carro e lembrasse dele
toda vez que saísse ou chegasse em casa".
Entusiasta de
automóveis, Rozen defendeu o estímulo a um "processo de recuperação" dos
veículos, algo extremamente raro de acontecer -- muitos donos até têm a
chance de vender seus abandonados, mas recusam porque teriam de arcar
com as dívidas antes de consumar a venda.
Raro, mas não impossível: em 2002, o então gerente de bar Cristiano
Arante Pessoa encontrou abandonado na rua Fradique Coutinho, Vila
Madalena, um Gurgel X12 1976. "Ele estava numa situação bem ruim. Tinha
até mendigo morando dentro", relembrou.
Admirador de antigos, o
hoje proprietário de um bar na zona sul localizou o dono e fez uma
oferta pelo jipinho. "No fim, ele resolveu me doar, e eu só tive que
pagar R$ 200 para transferir ao meu nome."
Claro, os gastos não
pararam nisso. Na época, Pessoa pagou R$ 3.000 para reparar o Gurgel e,
neste ano, está investindo mais R$ 10.000 em outra restauração. E não
se arrepende de nenhum centavo gasto. "Ele está ficando lindo. Só isso
já vale a pena", garante.
abandonado em "praga" paulistana
Leonardo Felix
Colaboração para o UOL, em São Paulo (SP)
Colaboração para o UOL, em São Paulo (SP)
- Leonardo Felix/UOLFiat Palio abandonado na esquina da rua Pires de Oliveira com a Fernandes Moreira, na Chácara Santo Antônio, zona sul de São Paulo (SP)
A prática se tornando cada vez mais comum na maior cidade do país. Neste ano, até o final de julho, a Prefeitura removeu 1.050 veículos abandonados de suas ruas, quase o mesmo número do ano passado inteiro (1.132). O motivo é quase sempre o mesmo: falta de dinheiro para consertar algum defeito do carro, ou excesso de dívidas. "Quase todos são carros sucateados e sem valor de marcado; o dono usa até onde dá e depois larga na rua", explica Adauto Martinez, especialista em trânsito e transportes.
Com a legislação atual, resolver o problema não é fácil. O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) nada prevê a respeito (a não ser que o automóvel estiver estacionado em local proibido), e cabe aos municípios tratar desses "entulhos de metal" de acordo com suas respectivas leis de limpeza urbana.
Em 2013, o deputado federal Oswaldo Reis (PMDB-TO) apresentou projeto de lei que transforma o abandono em infração gravíssima no CTB, com aplicação de multa e apreensão do veículo.
A proposta ainda está em tramitação e, com a aproximação das eleições, fica difícil imaginar que seja votada em 2014. Enquanto isso, São Paulo usa suas próprias leis para lidar com a questão. Veja como funciona: LONGA ESPERA
Há uma diferença entre a letra da lei e o que ocorre na prática com os carros abandonados. Em vez de cinco dias, um automóvel desses costuma ficar meses parado até ser removido, o que traz outros problemas: a carcaça pode virar esconderijo para assaltantes e até foco de doenças como dengue (a água da chuva acumulada vira criadouro do mosquito) e tétano (se houver contato humano com partes enferrujadas).
Não dá para culpar só o poder público por essa morosidade: a omissão da população contribui para a permanência desses esqueletos sobre rodas em nossas vias. "Os órgãos competentes precisam ter conhecimento da existência desses carros", ressalta Martinez. Muitas vezes, porém, o carro pertence a um morador da região e, com receio de prejudicar um conhecido, os vizinhos ficam quietos.
UOL Carros saiu com essa impressão após um passeio pela Chácara Santo Antônio, bairro da zona sul paulistana. Trata-se de uma das regiões com maior incidência de abandono de veículos na cidade, e se engana quem imagina que só modelos muito antigos são renegados. Em nossa visita, encontramos dois Volkswagen Polo sedã, um do início e outro da metade dos anos 2000; um Peugeot 206 também de meados da década passada; e um Fiat Palio do final dos anos 1990. O segundo Polo estava estacionado em frente a um edifício da rua Américo Brasiliense. De acordo com o porteiro, o exemplar pertence a um dos moradores. "Ele diz que ficou meio apertado [de dinheiro], sem condições de arrumar, então acabou deixando aí. Já teve gente, inclusive aqui do prédio, querendo comprar, mas ele não mostrou interesse em vender", conta.
Já o Peugeot é de um cliente de uma oficina
localizada na mesma rua, poucas quadras adiante. "Foi deixado aqui para
reparos do motor, mas o dono não podia pagar e acabou deixando aí na
frente. Ele diz que vai buscar e terminar de consertar quando tiver
condições", diz um mecânico do estabelecimento, que não quis se
identificar.
BLOG DOS ABANDONADOS
Morador daquela região, o jornalista Marcos Rozen criou em 2008 um blog só para tratar do tema, que hoje se tornou uma seção dentro de outro endereço sobre o universo das quatro rodas, o "Carro Cultura". "Comecei a fotografá-los por curiosidade e, para minha surpresa, descobri que outras pessoas também se interessavam pelo tema. Elas passaram a fotografar os carros de seus bairros/cidades e enviar para o blog", comenta. Em seis anos, Rozen chegou a flagrar até uma Fiat Marea Weekend zero quilômetro sucateada, e conheceu histórias de abandono das mais estranhas. "Houve um caso de um sujeito que largou um Jeep Willys em frente ao prédio da ex-mulher só para irritá-la, para que ela visse o carro e lembrasse dele toda vez que saísse ou chegasse em casa".
Entusiasta de automóveis, Rozen defendeu o estímulo a um "processo de recuperação" dos veículos, algo extremamente raro de acontecer -- muitos donos até têm a chance de vender seus abandonados, mas recusam porque teriam de arcar com as dívidas antes de consumar a venda. Raro, mas não impossível: em 2002, o então gerente de bar Cristiano Arante Pessoa encontrou abandonado na rua Fradique Coutinho, Vila Madalena, um Gurgel X12 1976. "Ele estava numa situação bem ruim. Tinha até mendigo morando dentro", relembrou.
Admirador de antigos, o hoje proprietário de um bar na zona sul localizou o dono e fez uma oferta pelo jipinho. "No fim, ele resolveu me doar, e eu só tive que pagar R$ 200 para transferir ao meu nome."
Claro, os gastos não pararam nisso. Na época, Pessoa pagou R$ 3.000 para reparar o Gurgel e, neste ano, está investindo mais R$ 10.000 em outra restauração. E não se arrepende de nenhum centavo gasto. "Ele está ficando lindo. Só isso já vale a pena", garante.
Morador daquela região, o jornalista Marcos Rozen criou em 2008 um blog só para tratar do tema, que hoje se tornou uma seção dentro de outro endereço sobre o universo das quatro rodas, o "Carro Cultura". "Comecei a fotografá-los por curiosidade e, para minha surpresa, descobri que outras pessoas também se interessavam pelo tema. Elas passaram a fotografar os carros de seus bairros/cidades e enviar para o blog", comenta. Em seis anos, Rozen chegou a flagrar até uma Fiat Marea Weekend zero quilômetro sucateada, e conheceu histórias de abandono das mais estranhas. "Houve um caso de um sujeito que largou um Jeep Willys em frente ao prédio da ex-mulher só para irritá-la, para que ela visse o carro e lembrasse dele toda vez que saísse ou chegasse em casa".
Entusiasta de automóveis, Rozen defendeu o estímulo a um "processo de recuperação" dos veículos, algo extremamente raro de acontecer -- muitos donos até têm a chance de vender seus abandonados, mas recusam porque teriam de arcar com as dívidas antes de consumar a venda. Raro, mas não impossível: em 2002, o então gerente de bar Cristiano Arante Pessoa encontrou abandonado na rua Fradique Coutinho, Vila Madalena, um Gurgel X12 1976. "Ele estava numa situação bem ruim. Tinha até mendigo morando dentro", relembrou.
Admirador de antigos, o hoje proprietário de um bar na zona sul localizou o dono e fez uma oferta pelo jipinho. "No fim, ele resolveu me doar, e eu só tive que pagar R$ 200 para transferir ao meu nome."
Claro, os gastos não pararam nisso. Na época, Pessoa pagou R$ 3.000 para reparar o Gurgel e, neste ano, está investindo mais R$ 10.000 em outra restauração. E não se arrepende de nenhum centavo gasto. "Ele está ficando lindo. Só isso já vale a pena", garante.
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