segunda-feira, 11 de maio de 2015

FONTE BBC BRASIL
Cimi
Raro registro de índios araras em maloca próxima ao rio Iriri feito em 2010 pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

'Impacto devastador'

A "BBC Brasil" teve acesso a um relatório encaminhado em março deste ano pela Funai para o MPF do Pará. Nele, o órgão faz uma diagnóstico da situação atual dos araras.

O documento afirma que, "desde 2010, a pressão de invasores e a disputa por recursos naturais nas imediações da Terra Indígena Cachoeira Seca têm se intensificado devido ao aumento populacional ocorrido na região de Altamira a partir da instalação (...) de Belo Monte".

Ainda segundo o relatório, isso "intensificou a vulnerabilidade deste grupo arara a todas as ameaças não indígenas. Os sentimentos de medo, insegurança, instabilidade, solidão e desamparo acumulados ao longo dos anos de fugas constantes ainda são evidentes nos discursos dos indígenas moradores da aldeia Iriri".

"Esses sentimentos são agravados pelo fato de até a presente data o processo de regularização fundiária da terra indígena não ter sido finalizado e ainda haver madeireiros e pecuaristas explorando sua área tradicional, ameaçando sua sobrevivência física e cultural", acrescenta o documento.

O relatório conta que os araras aceitaram o contato da Funai em 1987, após anos de fuga e conflitos com grupos indígenas e não indígenas. Desde então, sua população cresceu de 35 integrantes para 90.

Até 2009, seu contato com o exterior se dava principalmente por meio de um funcionário da Funai. A partir de 2010, porém, o grupo, que mal falava português, passou a ter de negociar diretamente com a Norte Energia.

Para contornar a insatisfação dos indígenas com o empreendimento, a empresa passou a estabelecer acordos diretamente com integrantes desses povos, distribuindo bens como lanchas, carros e cestas básicas nos últimos anos. Na avaliação da Funai, essas ações da Norte Energia "tiveram um impacto devastador na organização social e cultural dos araras".

A procuradora Thais Santi, do MPF de Altamira, diz que Cachoeira Seca se transformou num "polo de extração ilegal de madeira". Ela destaca que houve aumento da presença de não índios na região e foram encontradas serrarias funcionando dentro da terra indígena. Em sua opinião, faltou vontade política ao governo para concluir a regularização fundiária.

"Nunca se afirmou que seria fácil o processo de desintrusão (retirada dos não indígenas) da Cachoeira Seca. E a decisão do governo federal foi por implementar a usina a despeito de todas as dificuldades que os estudos de impacto ambiental apontaram", critica.

Processo de regularização

Para a regularização fundiária da Cachoeira Seca, o governo precisa realizar o recenseamento da população não indígena e identificar quem tem direito à indenização e quem entrou depois do reconhecimento da área pela Funai, em 2008. É preciso fazer ainda uma avaliação das benfeitorias para calcular o valor a ser indenizado.

O processo está sob coordenação da Secretaria-Geral da Presidência da República. Questionada sobre o não cumprimento da condicionante, a secretaria respondeu que "o governo federal tem buscado o máximo de acordos possíveis com os ocupantes não índios da terra indígena, de forma a garantir que a remoção dessas ocupações ocorra com o mínimo de conflito possível". O órgão não respondeu por que as obras de Belo Monte foram iniciadas mesmo sem a conclusão desse processo.

Em entrevista à "BBC Brasil", a responsável pela Coordenação Geral de Monitoramento Territorial da Funai, Tatiana Vilaça, disse que a desintrusão é essencial para conter a extração de madeira ilegal porque a presença de centenas de moradores não indígenas na região dificulta a identificação dos criminosos.

"Nós temos indícios de que sim, eles [os madeireiros] estão bastante próximos da aldeia. Eles se locomovem muito. Sem a regularização [fundiária], você faz uma brincadeira de gato e rato", constatou.

Segundo a coordenadora, o processo de recenseamento dos não índios é demorado porque a área é muito grande e sua equipe na região é pequena. Além disso, ela diz que esses servidores são constantemente ameaçados, o que exige que o trabalho seja interrompido para acionar apoio policial.

A Funai espera concluir o levantamento fundiário neste ano e iniciar o processo de indenização e retirada dos não indígenas em 2016. A princípio, a licença de operação de Belo Monte não pode ser concedida até que a desintrusão esteja concluída. A Norte Energia solicitou a licença em fevereiro ao Ibama, que ainda analisa o pedido.

A Funai informou que até agora foram localizadas 650 ocupações no interior da terra indígena. A demora da conclusão da desintrusão provoca apreensão também nesses grupos.

A liderança ribeirinha Melania da Silva Gonçalves, 47, presidente da associação dos extrativistas do rio Iriri, acusa o governo de "descaso".

Ela chegou com sua família à região há 43 anos e ali teve seus filhos e netos. Sem acesso formal à terra, Gonçalves conta que as cerca de 50 famílias ribeirinhas têm dificuldades de acessar benefícios como aposentadoria.

"Já tivemos reunião em Altamira, em Brasília, Funai, Ministério da Justiça, e a resposta é uma só: não tem para onde ir, não tem terra ainda. A gente tem muito medo de ir para algum lugar que não queremos", disse.

Desmatamento em queda

Os números do governo apontam para a redução do desmatamento (corte de vasta área de floresta para agropecuária) na Cachoeira Seca nos últimos anos. Um dos fatores que explicam essa queda, além da repressão do governo, é a incerteza fundiária da região, afirma Juan Pietro, do ISA.

"O pessoal que antes abria fazenda, pastos em terra indígena, não abre mais porque é especulativo. Dada a situação atual na Cachoeira Seca, ninguém quer comprar, é fria. Então eles migram para [a extração ilegal de] madeira, que está bem melhor, em termos de facilidade, lucro", observou.

O governo ainda não tem dados para 2014 sobre esse tipo de degradação, que é monitorada pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) por meio de satélites, num sistema chamado Detex.

O diretor de combate ao desmatamento do Ministério do Meio Ambiente, Francisco de Oliveira, informou à "BBC Brasil" que, nos dois anos anteriores, a extração detectada na Cachoeira Seca pelo sistema não passou de quatro quilômetros quadrados (400 hectares).

Ele considera improvável que tenha havido um crescimento tão expressivo da extração de madeira ilegal no ano passado, como apontado pelo ISA, mas reconhece que a instituição pode ter meios de detectar melhor o problema.

"Considerando que a terra indígena é uma área grande, se você tirar uma árvore ali e outra acolá, mesmo que isso signifique um volume grande de madeira saindo da terra indígena, essas [extrações] muito isoladas você não vai pegar com o Detex. O ISA tem gente andando lá dentro, então identifica um terceiro nível [de extração]", opina.

Norte Energia

Questionada pela "BBC Brasil" sobre o descumprimento da condicionante que previa a instalação de um sistema de proteção com 21 postos e bases, a Norte Energia disse que as "primeiras Unidades de Proteção Territorial foram concluídas em maio de 2012", recusando-se a informar as datas de entrega.

A empresa disse também que está discutindo com a Funai "a instalação de um Centro de Monitoramento Remoto que substituirá os 12 postos de vigilâncias, cujas obras não foram iniciadas".

De acordo com a Funai, a empresa entregou apenas oito unidades de proteção que apresentavam falhas estruturais -- devido à necessidade de novas obras, elas até hoje não puderam ser usadas.

A empresa informou que, até o momento, "investiu R$ 212 milhões nas comunidades indígenas", valor que inclui tanto ações previstas em acordos diretos com os índios quanto o cumprimento de condicionantes.

A empresa não quis comentar as críticas da Funai ao modo como a empresa se relaciona com os indígenas nem responder quantas lanchas e carros distribuiu entre esses povos.

A Norte Energia reúne empresas privadas e públicas e tem como maior acionista o grupo estatal Eletrobras (quase 50%). O consórcio está investindo R$ 29 bilhões na usina, quase 80% financiados pelo BNDES, e terá receita de R$ 62 bilhões em 35 anos com a venda de energia.

Obra prioritária do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), Belo Monte terá potência instalada de 11.233 MW, o que a torna a terceira maior hidrelétrica do mundo.

A empresa quer ligar a primeira turbina no segundo semestre de 2015, mas apenas em 2019 a hidrelétrica deve entrar totalmente em operaç



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