Nos últimos tempos, a melhor notícia produzida por aqui foi sem dúvida a significativa queda da mortalidade infantil. Os índices caíram de forma expressiva – 47% nos últimos 10 anos. Muito desse resultado veio de mais investimento na atenção básica, na segurança alimentar e nos agentes de saúde. Mesmo assim, trouxe alívio discreto: ainda estamos bem atrás de vários países latino-americanos, e há uma estrada até alcançarmos índices de Primeiro Mundo.
Para compensar, teremos que encarar nas próximas semanas uma das piores notícias ambientais, tema intimamente ligado à saúde das pessoas – justamente no contexto que antecede a Rio+20. Inaceitável que assunto tão vital como nossa legislação florestal – um patrimônio natural, irrepetível e de escandalosa biodiversidade – ficasse nas mãos de um punhado de ineptos. Considerando o continente brasileiro, fica óbvio que qualquer estudo mereceria aprofundamento, pesquisa por região, planejamento e prazos maiores.
Há um viés ideológico oculto, que merece explicitação. Na visão imediatista e pragmática dos responsáveis pela revisão, recursos extraídos do meio ambiente não passam de apêndice utilitarista, o que, convenhamos, é ignorância inadmissível para quem pretende legislar. Como se não bastasse, atribuiu-se novo significado à palavra “sustentabilidade”: aquilo que oferece mais lucro em menor prazo, com aparência de baixo impacto ambiental.
Fica claro, portanto, que nem este Congresso nem o Estado – isso envolve também o nível estadual e municipal – estão à altura da tarefa estratégica de pensar o Brasil para as próximas gerações. Cito os principais tópicos do espírito “flexibilizador” que norteou a reforma do Código Florestal para que o leitor julgue se há exagero:
- permissão para o cultivo em áreas de preservação de preservação permanente (APP)
- diminuição da conservação da flora em margens de rios
- isenção de multa e penalidade aos agricultores que desmataram
- liberação do cultivo no topo de morros
Com o foco centrado nas pastagens e culturas extensas dos ”desenvolvimentistas” poucas vezes um conflito de interesses ficou tão escancarado. Compreende-se a gritaria e os pedidos de veto, mas ou estão todos cegos ou há um surto generalizado de ingenuidade. A manipulação é clara, e a mídia mordeu a isca ao reproduzir manchetes: “Congressistas derrotam o Planalto!” Não se trata de omissão deles, é opção política mesmo. Tudo é processado como se a administração federal estivesse alheia ao trâmite dos projetos de lei que os parlamentares mutilaram a gosto, até conseguirem a desfiguração do texto original. Ora, o governo tomou parte nisso e, agora, com canetada, quer sagrar-se herói.
O problema vai muito além da provável anistia aos profissionais da serra elétrica ou da metrificação para preservar margens dos rios e nascentes. O xix da questão é que, se juntarmos alienação da sociedade, gula do agronegócio, impossibilidade de vigilância e nossa diversidade geográfica, cairemos numa equação temerária. O desmatamento quintuplicou desde a saída de Marina Silva. Estudos sérios preveem a desertificação de áreas do Centro-Oeste e Amazônia em prazos inferiores a cinquenta anos enquanto o cerrado agoniza. Suspeita-se que o custo das generosas concessões do novo código signifique a extrema-unção para a Mata Atlântica.
Mas quem dá a mínima para visão prospectiva? No jargão dos que querem “tocar para a frente” qualquer oposição é ecofanatismo! Se considerar ecossistemas como sistemas vivos e pressentir quão vitais são à nossa espécie, então, sim, vamos assumir de vez: fanatismo, por que não? Não senhores, ninguém quer atraso! A pergunta não é “quem se opõe a um país desenvolvido?” mas “qual preço a sociedade pagará por progresso?”
Os ecossistemas em si constroem um código muito mais abrangente. Recentemente, descobriu-se que plantas possuem sistema de alerta sofisticado, acionado quando agredidas ou ameaçadas. Sob ataque, certas espécies vegetais podem amargar o gosto de suas folhas para se tornar menos apetitosas aos herbívoros. Provavelmente, macro e microbiomas possuem sistemas similares de adaptação, comunicação e reação.
Na confortável sensação da falsa democracia que vivemos, onde os mecanismos da vontade popular estão esmagados pela cosmiatria dos pleitos pouco representativos e o grande negócio comanda as decisões políticas, só nos resta rezar. Que as árvores e os biomas tomem a iniciativa para resistir aos crimes que estamos prestes a concluir.
Façamos um minuto de silêncio, quem sabe alguém escute a confabulação das florestas.
Para compensar, teremos que encarar nas próximas semanas uma das piores notícias ambientais, tema intimamente ligado à saúde das pessoas – justamente no contexto que antecede a Rio+20. Inaceitável que assunto tão vital como nossa legislação florestal – um patrimônio natural, irrepetível e de escandalosa biodiversidade – ficasse nas mãos de um punhado de ineptos. Considerando o continente brasileiro, fica óbvio que qualquer estudo mereceria aprofundamento, pesquisa por região, planejamento e prazos maiores.
Há um viés ideológico oculto, que merece explicitação. Na visão imediatista e pragmática dos responsáveis pela revisão, recursos extraídos do meio ambiente não passam de apêndice utilitarista, o que, convenhamos, é ignorância inadmissível para quem pretende legislar. Como se não bastasse, atribuiu-se novo significado à palavra “sustentabilidade”: aquilo que oferece mais lucro em menor prazo, com aparência de baixo impacto ambiental.
Fica claro, portanto, que nem este Congresso nem o Estado – isso envolve também o nível estadual e municipal – estão à altura da tarefa estratégica de pensar o Brasil para as próximas gerações. Cito os principais tópicos do espírito “flexibilizador” que norteou a reforma do Código Florestal para que o leitor julgue se há exagero:
- permissão para o cultivo em áreas de preservação de preservação permanente (APP)
- diminuição da conservação da flora em margens de rios
- isenção de multa e penalidade aos agricultores que desmataram
- liberação do cultivo no topo de morros
Com o foco centrado nas pastagens e culturas extensas dos ”desenvolvimentistas” poucas vezes um conflito de interesses ficou tão escancarado. Compreende-se a gritaria e os pedidos de veto, mas ou estão todos cegos ou há um surto generalizado de ingenuidade. A manipulação é clara, e a mídia mordeu a isca ao reproduzir manchetes: “Congressistas derrotam o Planalto!” Não se trata de omissão deles, é opção política mesmo. Tudo é processado como se a administração federal estivesse alheia ao trâmite dos projetos de lei que os parlamentares mutilaram a gosto, até conseguirem a desfiguração do texto original. Ora, o governo tomou parte nisso e, agora, com canetada, quer sagrar-se herói.
O problema vai muito além da provável anistia aos profissionais da serra elétrica ou da metrificação para preservar margens dos rios e nascentes. O xix da questão é que, se juntarmos alienação da sociedade, gula do agronegócio, impossibilidade de vigilância e nossa diversidade geográfica, cairemos numa equação temerária. O desmatamento quintuplicou desde a saída de Marina Silva. Estudos sérios preveem a desertificação de áreas do Centro-Oeste e Amazônia em prazos inferiores a cinquenta anos enquanto o cerrado agoniza. Suspeita-se que o custo das generosas concessões do novo código signifique a extrema-unção para a Mata Atlântica.
Mas quem dá a mínima para visão prospectiva? No jargão dos que querem “tocar para a frente” qualquer oposição é ecofanatismo! Se considerar ecossistemas como sistemas vivos e pressentir quão vitais são à nossa espécie, então, sim, vamos assumir de vez: fanatismo, por que não? Não senhores, ninguém quer atraso! A pergunta não é “quem se opõe a um país desenvolvido?” mas “qual preço a sociedade pagará por progresso?”
Os ecossistemas em si constroem um código muito mais abrangente. Recentemente, descobriu-se que plantas possuem sistema de alerta sofisticado, acionado quando agredidas ou ameaçadas. Sob ataque, certas espécies vegetais podem amargar o gosto de suas folhas para se tornar menos apetitosas aos herbívoros. Provavelmente, macro e microbiomas possuem sistemas similares de adaptação, comunicação e reação.
Na confortável sensação da falsa democracia que vivemos, onde os mecanismos da vontade popular estão esmagados pela cosmiatria dos pleitos pouco representativos e o grande negócio comanda as decisões políticas, só nos resta rezar. Que as árvores e os biomas tomem a iniciativa para resistir aos crimes que estamos prestes a concluir.
Façamos um minuto de silêncio, quem sabe alguém escute a confabulação das florestas.
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