Brasil não é mais paraíso para criminosos
Por Elisa Martins para Infosurhoy.com – 24/04/2013
Casos famosos, como o do britânico Ronald Biggs, deram ao Brasil fama de paraíso para criminosos estrangeiros. Em 1963, Biggs assaltou o trem pagador de Glasgow, na Escócia, e acabou fugindo para o Rio, onde teve um filho com uma brasileira e morou por mais de 30 anos até decidir voltar ao Reino Unido. (AFP)
Mas o velho clichê do país como paraíso para criminosos internacionais está cada vez mais distante da realidade.
A Polícia Federal (PF), a Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) e o Ministério da Justiça vêm criando juntos medidas para facilitar a localização e a prisão desses bandidos em território nacional – e acelerar sua extradição.
“Essa imagem de porto seguro para criminosos estrangeiros deixou de existir”, diz o delegado Álvaro Palharini, coordenador-geral de Cooperação Policial Internacional da PF. “Isso mudou com os novos acordos de cooperação entre diversas agências policiais de toda parte do mundo.”
Palharini destaca que as autoridades brasileiras vêm estreitando laços e participando mais ativamente na comunidade policial internacional.
Em 2010, o Brasil bateu recorde de detenções de estrangeiros procurados pela Interpol: foram 65, quase o dobro de 2009, quando foram presos 34.
Em 2011, quando foram presos 44, um dos casos mais emblemáticos foi o do italiano Francesco Salzano, acusado de envolvimento em três homicídios e de chefiar um dos braços da Camorra, a máfia italiana. Ele foi preso em Fortaleza, capital do Ceará, onde vivia com uma namorada brasileira.
Em janeiro deste ano, a prisão de outro procurado estrangeiro ganhou destaque nos jornais. Suposto membro do grupo terrorista basco ETA, Joseba Gotzon Vizán González, 53, escapou da Justiça espanhola em 1991 e se mudou para o Brasil em 1997. Ele morava no Rio e trabalhava como professor de idiomas quando foi preso.
“O número de prisões comprova que, hoje, o Brasil não é mais destino seguro para foragidos internacionais. Há mais ações de capacitação de policiais brasileiros, maior investimento na área internacional, maior cooperação entre as instituições nacionais e alterações legislativas”, enumera Palharini.
Em alguns casos, a extradição pode demorar. Em dezembro de 2012, o milionário caribenho Michael Misick foi detido pela PF no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, depois de dois anos de uma temporada de luxo em Ipanema, Zona Sul do Rio.
Mas o caso teve uma reviravolta em fevereiro, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski mandou soltar Misick, citando um atraso no envio do pedido de extradição ao Brasil. Em 13 de abril, a PF voltou a prender Misick num flat em São Paulo a pedido do mesmo ministro, que considerou que havia “risco de fuga iminente”.
Misick agora aguarda preso o julgamento do pedido de extradição do Reino Unido. No dia 15, dentro da cadeia em São Paulo, ele foi informado de que seu pedido de refúgio no Brasil como perseguido político fora negado.
Desde Pedro Álvares Cabral
A fama de paraíso para criminosos começou séculos atrás, explica Tunico Amancio, professor de Cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor do livro “O Brasil dos gringos: imagens no cinema”.
“Como o Brasil demorou a se constituir como nação, virou de certa forma uma terra de ninguém, um lugar sem lei”, diz Amancio. “A imagem de um lugar enorme, de legislação flexível, ficou. Mesmo com o Brasil já constituído, faltavam leis de extradição.”
Amancio cita como exemplo a carta de Pero Vaz de Caminha, o escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral.
“Algumas figuras desse imaginário já estão presentes desde a carta de Pero Vaz de Caminha, como a beleza das mulheres, a paisagem e os costumes dos gentios”, diz Amancio. “Curiosamente, a única pessoa que ficou no Brasil quando Cabral voltou à Europa foi um tipo que tinha contas a acertar com a Justiça, Afonso Ribeiro.”
O estereótipo de paraíso sem lei está presente na literatura, em óperas, e acabou contaminando o cinema, num dos clichês mais frequentes sobre o Brasil na telona.
Hoje, porém, o tom é diferente do usado em filmes como “Um peixe chamado Wanda” (1988), “Freiras em fuga” (1990), “O grande assalto” (1993) e “Prisioneiro do Rio” (1988).
Ações policiais
No Brasil, a Interpol é representada pela PF, que tem o Serviço de Cooperação Policial Internacional. Este Serviço está em contato com policiais de outros 188 países por meio do sistema I-24/7 (Internacional, 24 horas e sete dias por semana), um canal de alerta que fornece informações sobre criminosos procurados.
Nos últimos anos, a Interpol lançou operações como a Infra-Red, que tenta localizar foragidos ao redor do mundo com a interligação de informações, e a Infra-SA, dirigida à busca de fugitivos na América do Sul.
Nos dois casos, o Brasil enviou policiais para capacitação nos escritórios da Interpol.
Ações legislativas também têm sido fundamentais. O projeto de lei 3772/2008, em trâmite no Senado, prevê a utilização da lista de procurados da Interpol para justificar a prisão preventiva e acelerar a extradição dos criminosos.
“Hoje, quando um bandido estrangeiro é identificado no Brasil, a polícia brasileira deve monitorá-lo, enquanto espera a formalização do pedido de prisão de seu país de origem”, diz Marivaldo Pereira, secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. “A chance de perder seu paradeiro, dada a dimensão das nossas fronteiras, é muito grande.”
Se o projeto de lei for aprovado, um criminoso procurado pela Interpol poderá ter sua prisão cautelar decretada no Brasil.
“Seu país de origem será notificado e terá até 90 dias para pedir a extradição”, explica Pereira.
A expectativa é que o projeto passe pelo Senado ainda neste semestre. A iniciativa está na pauta de projetos prioritários do Ministério da Justiça.
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