segunda-feira, 1 de junho de 2015

A água acaba todos os dias por volta das 14h onde a dona de casa Marina Faria mora, na zona leste da capital paulista. Todas as suas tarefas do lar têm que ser feitas até esse horário. “Tenho que me programar cedinho pra dar tempo de cozinhar, lavar roupa e a louça. Como minha caixa d’água é pequena, tenho que aproveitar e estocar água durante a manhã para usar durante o resto do dia e limpar a casa”, comenta. 

O exemplo da Marina é comum em muitas casas na Grande São Paulo que tem sofrido com a crise hídrica. De acordo com uma recente pesquisa do Datafolha, as mudanças climáticas são as principais causas para a sociedade desta atual situação. Na reportagem especial, o climatologista da Somar Meteorologia, Paulo Etchichury fala sobre os pontos abordados neste levantamento e o que o Brasil precisa fazer para se adequar. Confira:

A pesquisa do Datafolha divulgada em maio deste ano mostra que dos 2100 entrevistados, 90% diz que as mudanças climáticas têm a ver com a crise hídrica e crise energética. Esta opinião é correta? Se sim, por quê?
Ela não é totalmente correta, mas isso não significa que a população está errada, já que recebem uma informação e faz associação direta com a questão do aquecimento global. 

É natural em nossa cultura apontarmos o culpado e quando se trata da natureza a questão é mais complexa, até porque os efeitos do aquecimento global podem ser diferenciados conforme a região, em alguns lugares tem abundância e em outros a escassez.

O aquecimento global é a elevação da temperatura do globo e isso ocorre antes da era industrial. É um ciclo natural, mas isso não quer dizer que não somos responsáveis, mas a ação do homem pode acelerá-lo. O grande desafio do ser humano é aliviar esse processo e entender, porém, que os períodos mais ou menos chuvosos estão associados a outros ciclos.

Quais são estes outros ciclos? 

O primeiro é o ciclo sazonal, as conhecidas estações do ano e tem o sol como sua fonte. Em grande parte do Brasil temos o ciclo caracterizado como verão quente e chuvoso e o inverno frio e seco. 
Depois, tem o ciclo interanual, que são associados aos ciclos do oceano, especialmente o Pacífico Equatorial que concentra energia que influencia na qualidade das estações do ano. Como se não bastasse, este mesmo oceano ora tem temperaturas mais baixas, conhecido como El Niño, ora tem temperaturas mais altas, o La Niña. 
Por último e não menos importante, o Oceano Pacífico tem um ciclo interdecadal, ou seja, períodos que ficam preponderantemente mais quentes ou mais frios. Todos os ciclos da natureza não são bem definidos, mas levam em média 30 anos. Entre 1945 e 1975 tivemos a fase fria, marcada por menores períodos de chuva, já entre 1975 e 2005 foi mais quente e chuvoso no sudeste do Brasil e agora vivemos novamente um ciclo menos chuvoso.

A crise energética e nos reservatórios está associada a estes ciclos?
Sim, isso nos mostra que o que acontece hoje já aconteceu antes. Até 10 anos atrás tínhamos água de sobra, agora não temos mais. Isso quebra o argumento de que é só aquecimento global. Porém, é um consenso de que ele potencializa os extremos e aí teremos esses ciclos potencializados pelo aquecimento global. É necessário fazer uma análise correta para encontrar as soluções mais adequadas. A falta de percepção das mudanças de ação nos faz perceber que esse problema está associado ao problema de gestão governamental. 

Como assim?

Se eu percebi que estava diminuindo a vazão dos reservatórios e entrando menos águas, deveria ter feito uma adequação. Nos últimos anos o consumo aumentava enquanto a vazão diminuía no Sistema Cantareira. Houve falta de percepção e de adequação, isso nos levou a uma questão extrema, tanto é que outros sistemas não vivem a mesma condição. 

Então não é apenas um culpado?
Não, não é um único culpado. São vários, como o aquecimento global, ciclos, problemas de gestão e também os hábitos da população. Falta o recurso natural porque ele realmente diminuiu, por isso é preciso adequação da gestão desses recursos naturais para a nova realidade.

Porém, as crises nos trazem novos ensinamentos e é na adversidade que se evolui. Elas servem para despertar a consciência da população sobre o bem natural. 

85% dos brasileiros estão muito preocupados com a questão das mudanças climáticas. Essa preocupação é de agora ou vem de anos atrás? 
A preocupação com clima vem desde o tempo do homem das cavernas. A interação do ser humano com os fatores climáticos é no dia a dia e em muitos lugares do mundo essa ligação é muito mais evidente porque as condições climáticas são adversas e muitas vezes limitam a sobrevivência. 

O Brasil vive em uma região tropical que não tem fenômenos extremos, como furacões, nevascas, vulcões, tremores de terra e por isso, ficamos em uma situação de acomodação em relação aos recursos naturais e retardamos a necessidade de crescimento.

O que despertou então o interesse do brasileiro?
Essa preocupação é evidente com a mudança do ciclo, a escassez e o crescimento da população, porque surge a disputa dos recursos naturais, como o ar e a água. Isso impõe a consciência que talvez muitas pessoas nunca imaginariam que no mundo tecnológico de hoje, onde temos tudo ao nosso alcance, pudesse faltar o bem mais precioso e básico que é a água e energia. 

Entre os causadores das mudanças climáticas na pesquisa do Datafolha, estão atividades humanas e fenômenos naturais, como desmatamento, queima de petróleo, atividades industriais, queima de carvão mineral, tratamento de lixo doméstico, hidroelétricas e agropecuárias. Qual é a sua opinião a respeito destes causadores?
Precisa ficar claro que nenhum desses são as causas, pois podemos acabar com todos esses problemas listados pela população entrevistada e a temperatura média do globo vai continuar a mesma. 
No conjunto, todos têm uma parcela de culpa, mas é necessário entender que quando se fala de aquecimento global você tem que reduzir um impacto, ter uma premissa. 

Qual seria essa premissa?
Assim como na vida temos a premissa de sermos bons cidadãos e descentes, na questão dos recursos naturais existe uma premissa chamada preservação. É fundamental entender o que está acontecendo e levantar os pontos para discussão, levar informações que trazem questionamentos do que propriamente a conclusão.

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